por Rodrigo Cury
No início de maio de 2024, o Rio Grande do Sul enfrentou a maior catástrofe climática de sua história recente. As enchentes devastadoras atingiram mais de 90% dos municípios do estado, trazendo destruição e espalhando tristeza. Algumas horas antes da crise, as previsões já indicavam um cenário preocupante, mas ninguém podia prever a real gravidade da situação. Logo após o início da catástrofe: centenas de vidas perdidas, milhares de pessoas desabrigadas e sem acesso a serviços essenciais.
No best-seller "A Lógica do Cisne Negro", Nassim Nicholas Taleb discorre sobre eventos altamente improváveis, inesperados e de grande impacto, batizando esse tipo de acontecimento como “Cisne Negro”: uma referência à antiga crença de que todos os cisnes eram brancos, até que cisnes negros foram descobertos na Austrália, contrariando essa “verdade absoluta”. Tipicamente, são eventos que contrariam modelos preditivos, causando consequências significativas e transformando drasticamente o contexto em que ocorrem. O imprevisível e o desconhecido são elementos centrais desta teoria. Para que um evento seja considerado um "Cisne Negro", ele deve respeitar três critérios principais:
Raridade: O evento está fora das expectativas normais, não há evidências que possam prever o acontecimento.
Impacto Extremo: O evento tem um impacto significativo e extremo quando ocorre. Ele causa grandes consequências e tem a capacidade de transformar o ambiente ou a situação em que se insere de forma dramática.
Retrospectiva Previsível: Após o evento ocorrer, as pessoas tentam racionalizá-lo e explicá-lo, afirmando que era previsível. Isso é conhecido como "viés retrospectivo".
Nesse sentido, pode-se considerar a enchente de maio de 2024 como um Cisne Negro. Mas com uma consideração: talvez essa analogia não esteja 100% correta porque, apesar da raridade do evento em questão, não pode se afirmar que era imprevisível, uma vez que já se conhecida a vulnerabilidade de algumas regiões do estado, conhecidas como “zonas alagáveis”. Inclusive, há mais de 50 anos essas regiões já estão mapeadas. Historicamente, um evento similar aconteceu: a “Grande Enchente de 1941” que devastou a cidade de Porto Alegre e resultou na obra do Muro da Mauá (que tem como objetivo proteger a cidade da cheia do lago Guaíba) e na instalação de comportas na cidade. O que tudo isso tem a ver com Design?
Foto: Ricardo Stuckert
Algumas semanas após o desastre, a Apdesign - Associação dos Profissionais em Design do Rio Grande do Sul promoveu um evento online, que tive a honra de mediar “Design Emergencial: aprendizados na reconstrução oportunizando a prevenção”. Nesse bate-papo, entre Julia Webber , Edson Matsuo e Rodrigo Petry Schoenardie emergiram reflexões sobre como a profissão pode apoiar respostas a situações de emergência e potencializar esforços para prevenção. Após a discussão, concluí que compreender a lógica do Cisne Negro é imprescindível para análise da situação-problema em projetos de Design Emergencial.
Uma das palavras-chave que permeou a conversa entre Webber, Matsuo e Schoenardie foi o Design Social, que é caracterizado por uma abordagem profundamente ética e socialmente responsável, sendo contrário ao design voltado apenas para o aumento do consumo e a diferenciação estética. Essas também são premissas do Design Emergencial, mas catástrofes suscitam dificultadores para a prática projetual: (i) a escassez repentina de recursos; (ii) Necessidades muito específicas e; (iii) limitações logísticas.
Resumidamente, o Design Emergencial se concentra em criar soluções rápidas e eficazes para situações de crises e emergências. Este tipo de design é essencial para responder a desastres naturais, crises humanitárias, pandemias, e outras situações exigem respostas imediatas para que as consequências não se agravem ainda mais. No contexto da maior enchente do Rio Grande do Sul, imediatamente foi lançado o Desafio RemakeRS 2024, uma chamada pública com a temática do Design Emergencial voltado a destacar projetos de mobiliário de baixo custo, que tem potencial de acelerar a recuperação dos lares gaúchos. Aprofundado ainda mais as reflexões sobre os projetos de Design Emergencial, percebe-se que, além dos Fatores Projetuais típicos, o Design Emergencial de mobiliário deve priorizar 5 fatores específicos:
Frugalidade: Soluções devem ser desenvolvidas priorizando a simplicidade o consumo mínimo de recursos, considerando à escassez repentina comum em situações de emergência.
Replicabilidade e Adaptabilidade: Projetos devem ser facilmente replicáveis e adaptáveis a diferentes contextos e situações emergenciais. Materiais e processos devem facilitar a produção e adaptação considerando situações de escassez, sendo inteligível e dispensando manuais complexos de fabricação e montagem.
Portabilidade: Soluções devem ser portáteis, facilitando o transporte, instalação e montagem em diversos locais e condições.
Modularidade e Multifuncionalidade: Projetos devem ser multifuncionais, atendendo a diversas necessidades com uma única solução ou com a mesma lógica. Produtos devem ser modulares, permitindo configurações e reconfigurações conforme necessário.
Confiabilidade e segurança: Soluções devem ser confiáveis e seguras, funcionando em diversas condições e situações de uso, sem oferecer riscos aos usuários.
O Design Emergencial desempenha um papel importante na resposta às necessidades urgentes de comunidades em situações de crise. Nesse contexto, a capacidade de identificar um evento "Cisne Negro", como a enchente que assolou o Rio Grande do Sul, é um importante passo para o desenho de soluções resilientes e emergenciais. Nesse sentido, abordagem do Design Social é crucial para compreender as necessidades reais das comunidades afetadas, garantindo que as soluções desenvolvidas estejam verdadeiramente alinhadas com as demandas específicas e realidades locais. Além disso, a orientação profissional com foco nos aspectos ambientais e sociais, não apenas na recuperação de crises, mas também na construção de comunidades mais resilientes e sustentáveis é cada vez mais necessária em tempos de emergências climáticas.
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Rodrigo Cury atualmente lidera a área de inovação da Fruki Bebidas e é conselheiro da APDesign. Formado em Design pela UFRGS e pós-graduado em ESG e Sustentabilidade pela FGV, possui mais de 10 anos de experiência em projetos ligados à sustentabilidade, inovação e comunicação. Ao longo de sua trajetória profissional, teve oportunidade de liderar equipes e projetos de inovação ligados à Gestão da Inovação e Economia Circular para grandes empresas.
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